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sábado, 28 de dezembro de 2019

O Cerco de Carcassona

De Béziers, de onde nada então restava além de uma pilha de corpos em chamas, os cruzados seguiram em direção a Carcassona. Enquanto avançavam, encontraram os campos desolados. O terrível exemplo de Béziers encheu de terror todos os corações. Os habitantes dos vilarejos indefesos fugiram ao verem as ruínas fumegantes da forte cidade de Béziers. Inúmeros lamentos acompanharam os passos imundos dessas hostes de Satanás. Eles se puseram diante das muralhas de Carcassona: Roger comandava pessoalmente a cidade, suportando um longo cerco com grande coragem. Simão de Monforte era o chefe do lado atacante. Do outro lado, Roger era visto se expondo em todo o lugar como chefe dos defensores, e animava a coragem deles por palavras e por exemplo. Durante quarenta dias o cerco perdurou, e os sitiadores foram repelidos com grandes perdas; e, se não fosse uma traição do abade Arnaldo, Raimundo-Roger teria triunfado. Foi assim que as coisas aconteceram:

Os soldados da cruz eram obrigados a servir por apenas quarenta dias, tanto pela lei feudal quanto como requisito para ganhar todos os privilégios dos cruzados. No final desse período, muitos dos líderes e da grande massa das tropas voltaram para casa desapontados e insatisfeitos. O calor excessivo, a escassez de água, a atmosfera infectada com os mortos não enterrados, a astúcia, crueldade e perfídia dos padres, tudo isso levou muitos a saudar o fim do mandato feudal. Nessas condições extremas e cercado de tropas desordenadas, o abade recorreu à astúcia -- os ardis de Satanás. O nobre e corajoso visconde foi levado a uma conferência. Sob o juramento do legado e dos barões do exército de que a boa fé seria mantida, Roger saiu com trezentos de seus seguidores. Mas uma fé herética tão formidável não deveria ser mantida na mente dos perseguidores, e logo que ele começou a propor termos, o legado exclamou que nenhuma fé deveria ser mantida com alguém que tinha sido tão infiel ao seu Deus, e ordenou que acorrentassem o visconde e prendessem seus seguidores. Mas ele logo foi aliviado de sua humilhação e sofrimento pela morte, que foi popularmente atribuída à mão de Simão. O povo, consternado com a perda de seu chefe, abandonou a cidade e escapou por meio de uma passagem subterrânea, mas os padres se consolaram apreendendo cerca de quatrocentos desses cidadãos, que foram enforcados e queimados pelo crime comum de heresia.

A cidade de Carcassona e a herança nobre de Raimundo-Roger estavam agora nas mãos do partido papal, e, de acordo com a lei da conquista, inteiramente a sua disposição. O legado e seu clero apresentaram essas terras ricas a Simão de Monforte como as primícias de uma vitória gloriosa sobre os hereges, e assim ele foi aclamado como Visconde de Béziers e Carcassona, prometendo manter suas dignidades e territórios, sob a condição de pagar um tributo anual ao papa como suserano dos territórios conquistados.

A eleição de Simão foi confirmada pelo papa, apesar dos grandes princípios de justiça e de fé dos tratados terem sido violados de maneira tão clara e descarada; mas o rei de Aragão, como suserano da região, recusou investir Simão em suas novas posses. A conquista parecia estar completa, mas não foi realmente assim. O duque de Borgonha, o conde de Nevers e outros nobres franceses retiraram-se da cruzada, ficando grandemente ofendidos com a arrogância dos mercenários do papa. Simão de Monforte, sendo assim deixado com uma força comparativamente pequena, foi incapaz de manter sua posição. Muitas cidades e castelos que tinham sido tomados pelo partido papal perderam-se novamente, e uma guerra incessante foi continuada, agora marcada pela feroz exasperação do povo e pelas crueldades mais implacáveis de ambos os lados. De Monforte escreveu desesperado aos prelados da Cristandade pedindo um novo exército.

A trombeta de Roma soou novamente: uma nova cruzada foi anunciada. "Enxames de monges", diz Greenwood, "saídos de inúmeros claustros e mosteiros da ordem cisterciense, pregando perdição aos hereges e perdões ilimitados a todos os que derramassem sangue -- mesmo que fosse de apenas uma pessoa -- da ninhada amaldiçoada. Não havia crime tão terrível, nenhum vício tão enraizado no coração, que uma campanha de quarenta dias contra esses marginalizados não limpasse, até mesmo o último vestígio de culpa, nem deixasse para trás o menor senso de remorso." Atraídos pela promessa de grandes espólios terrenos no sul ensolarado e da eterna felicidade no céu, inumeráveis tropas de fanáticos reuniram-se ao estandarte de De Monforte. Na primavera de 1210, ele recebeu um grande reforço sob o comando de sua esposa, e a guerra recomeçou com nova fúria. 

domingo, 8 de julho de 2018

A Humilhação de Henrique II

O rei ficou muito perturbado ao ouvir as terríveis notícias sobre o assassinato sacrílego. Um sentimento de horror correu pela Cristandade, e o rei foi marcado como um tirano irreligioso, e Becket foi adorado como um santo martirizado. Sua morte foi atribuída às ordens diretas do rei. Por três dias e noites, o infeliz monarca trancou-se em solidão, e recusou qualquer comida e conforto, até que seus criados começaram a temer por sua vida. Ao final de sua penitência, ele enviou homens ao papa para limpar-se de qualquer participação no crime. O papa Alexandre estivera tão indignado no início que não ouviria a nada, ou sequer permitiria que o nome execrável do rei da Inglaterra fosse proferido em sua presença. Ele ameaçou excomungar o rei pelo nome e pronunciar com a máxima solenidade um interdito em todos os seus domínios. "Mediadores, no entanto, sempre podiam ser encontrados", diz Greenwood, "para uma consideração adequada na corte papal. Certos cardeais foram cautelosamente contactados, e não se mostraram inacessíveis aos argumentos com os quais os enviados foram, como sempre, abundantemente supridos. Assim introduzidos, o papa permitiu-se ser propiciado." Termos de reconciliação foram discutidos, mas o papa tinha, então, seu pé sobre o pescoço do rei, e estava determinado a impôr seus próprios termos papais antes que o aliviasse. Seu triunfo pessoal sobre o teimoso rei foi tão completo quanto ele podia desejar. 

Dois cardeais foram enviados por Alexandre com poder legatino para se encontrarem com Henrique na Normandia, para inquirirem mais plenamente sobre todo o caso, e para substanciar a penitência do rei. Henrique jurou sobre os Evangelhos que ele não tinha ordenado nem desejado a morte de Becket, e que ele não havia sofrido tanto pela morte de seu pai ou de sua mãe quanto pela morte do arcebispo; ele confessou também que palavras proferidas em sua raiva contra aquele homem santo podiam possivelmente ter levado a sua morte, por cuja causa ele estaria preparado a prestar penitência de acordo com o que o pontífice achasse adequado. A Santa Sé então exigiu a Henrique: "1. Que mantivesse duzentos cavaleiros as suas próprias custas na Terra Santa. 2. Que dentro de três anos ele tomasse a cruz* em pessoa, a menos que fosse libertado dessa obrigação pela Santa Sé. 3. Que revogasse a Constituição de Clarendon e todos os maus costumes introduzidos durante seu reinado. 4. Que reinvestisse à igreja de Cantuária todos os seus direitos e posses, e que perdoasse e restaurasse às suas propriedades todos os que incorreram em sua ira na causa do primaz. 5. Que ele e seu filho Henrique, o mais novo, mantivessem e preservassem a coroa da Inglaterra fiel ao papa Alexandre e a seus sucessores, e que eles e seus sucessores não se considerassem verdadeiros reis até que eles -- o papa e seus sucessores -- os reconhecessem como tais." Tendo devidamente selado e atestado o ato formal, o rei foi reconciliado com o papa no pórtico da igreja em 22 de maio de 1172, mas não estava ainda livre das mãos dos inexoráveis padres: sua degradação não estava ainda completa.

{*N. do T.: "Tomar a cruz", na época, indicava a decisão de ir defender a Terra Santa.}

O clero pregava de seus púlpitos, e o povo era pronto o suficiente para crer, que certas provações familiares que caíram sobre o rei por volta dessa época eram os juízos de Deus pela perseguição de Seu santo. O povo foi também levado a acreditar que o santo estivera lutando as batalhas do pobre contra o rico -- especialmente dos pobres e oprimidos saxões contra os cruéis e avarentos normandos. Deprimido pelos infortúnios, acusado de cumplicidade com os assassinos, e assombrado pelos temores supersticiosos, o príncipe infeliz estava preparado para fazer uma expiação completa por seus pecados. Ele estava certo que nada menos que uma humilhação pública poderia apaziguar o céu ofendido e o santo martirizado. As cenas de Canossa deveriam ser encenadas novamente. Tal é o verdadeiro espírito do sacerdócio implacável de Roma. Se eles não podem derramar o sangue de suas vítimas, eles as forçarão a beber as mais amargas escórias da humilhação.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

O Cerco de Jerusalém (1099 d.C.)

Em vez de marcharem imediatamente para Jerusalém, enquanto estavam tão animados e fortalecidos pela vitória, e seus inimigos dominados, eles ociosamente gastaram seu tempo desfrutando dos luxos da Síria por quase dez meses, e, quando as ordens de marcha foram dadas no mês seguinte de maio, apenas uma pequena parte do uma vez poderoso exército sobrou. Supõe-se que trezentos mil chegaram à Antioquia, mas a fome, a doença e a espada tinham reduzido a força deles para pouco mais de quarenta mil. As relíquias do exército partiram no mês de maio. Enquanto se aproximavam do objetivo de sua longa e perigosa jornada, e reconheciam os lugares sagrados, tais como Tiro, Sidom, Cesareia, Lida, Emaús e Belém, eles não podiam conter seu entusiasmo. Mas quando alcançaram uma elevação que lhes davam uma visão completa da cidade santa, um grito de "Jerusalém! Jerusalém! Deus o quer! Deus o quer!" explodiu. Todos se lançaram de joelhos e beijaram o solo sagrado. As cenas da história do evangelho encheram suas mentes com um arrebatado deleite. Mas Jerusalém estava ainda nas mãos dos infiéis, e eles estavam desprovidos dos recursos necessários para o assalto.

O cerco durou quarenta dias, mas foram quarenta dias de grande sofrimento para os sitiadores; especialmente pela sede feroz produzida pelo sol de verão daquele país seco. O ribeiro de Cédron estava seco; as cisternas tinham sido destruídas ou envenenadas; a provisão deles se acabou; de fato, tão grande era a angústia deles, que estavam a ponto de renderem-se em desespero. Mas, como em ocasiões anteriores, o alívio chegou. A superstição veio ao resgate. Godofredo viu no Monte das Oliveiras um guerreiro celestial balançando seu brilhante escudo como um sinal para outro assalto. Com renovado ardor militar, eles atacaram os incrédulos, e, após uma luta feroz, dominaram a cidade santa. Os historiadores concordam em dizer que, em 15 de julho de 1099, uma sexta-feira, às três da tarde, o dia e hora da paixão do Salvador, Godofredo de Bulhão foi vitorioso nas muralhas de Jerusalém. Ele saltou para a devota cidade, acompanhado de Tancredo, e seguido pelos soldados, que encheram cada rua da cidade de massacres.

"Os cruzados", diz Robertson, "inflamados à loucura pelo pensamento dos males inflingidos a seus irmãos e pela obstinada resistência dos sitiados, não pouparam nem o velho, nem a mulher, nem a criança. Setenta mil muçulmanos foram massacrados; muitos dos que tinham recebido uma promessa de vida dos líderes foram mortos pelos soldados. O templo e o alpendre de Salomão ficou cheio de sangue até a altura do joelho de um cavalo e, em meio à fúria geral contra os inimigos de Cristo, os judeus foram queimados em sua sinagoga. Godofredo não tomou parte nessas atrocidades, mas imediatamente após a vitória, em vestes de peregrino, dirigiu-se à igreja do santo sepulcro para derramar seus agradecimentos por ter sido permitido a alcançar a cidade santa. Muitos seguiram seu exemplo, resignando-se de suas obras selvagens por lágrimas de penintência e gozo, e oferecendo, no altar, o espólio que eles tinham conquistado; mas, por uma revolta de sentimentos naturais para um estado de grande excitação, eles logo voltaram à sua obra selvagem, e por três dias correu sangue em Jerusalém."*

{* Church History, de Robertson, vol. 2, p. 641. White's Eighteen Christian Centuries.}

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O Cerco de Antioquia

No dia 18 de outubro de 1097, os "guerreiros da cruz" sitiaram a Antioquia, onde os discípulos foram pela primeira vez chamados cristãos, e que logo depois tornou-se o centro dos labores missionários do grande apóstolo. Mas que mudança de espírito, objetivo e modos do seu assim chamado sucessor -- daquele que assumia o blasfemo título de vigário de Cristo, mas em quem cuja porta a culpa e o derramamento de sangue desta, a maior de todas as ilusões populares, para sempre repousará. Jezabel ainda pode reinar tanto na igreja quanto no Estado, e amigos, assim como inimigos, devem ser sacrificados para atingir seu objetivo e gratificar sua ambição. Mas o dia rapidamente se aproxima quando a requisição pelo sangue será feita, e o juízo será dado, de acordo com os motivos, assim como com as ações. O testemunho agradecido a Deus, que saiu da Antioquia no primeiro século, é tão simples e verdadeiro agora como era então, e de igual autoridade sobre o coração e a consciência, não obstante o fluxo corrupto de dez mil que professamente fluíam da mesma fonte. É na doutrina dos apóstolos que temos que confiar, e não na tradição dos Pais. Em todas as épocas o credo cristão deveria ser: a pessoa de Cristo para o coração, a obra de Cristo para a consciência, e a palavra de Deus para o caminho.

O cerco de Antioquia durou oito meses. As dificuldades sofridas durante esse período foram terríveis. Por um tempo, as condições do solo e do clima foram apreciadas, até mesmo em excesso, mas o inverno chegou e a alegria deles acabou. As chuvas fortes inundaram seus acampamentos, e os ventos derrubaram suas tendas. Fome e pestilência, com suas muitas consequências, prevaleceram. A carne de cavalos, cachorros, e até mesmo de inimigos abatidos era avidamente devorada. No início do cerco, seus cavalos contavam 70.000, e no final contavam apenas 2.000, e dificilmente 200 davam para o serviço. Com o tempo, no entanto, o auxílio veio, ou teriam perecido até o último homem. Por meio da traição de um oficial sírio da cidade, que tinha o favor do emir*, e que comandava três torres, um portão foi aberto. O exército invadiu a cidade devota, gritando o grito de guerra dos cruzados, "Deus o quer!", e a Antioquia caiu mais uma vez nas mãos dos cristãos. Mas a vitória não estava completa. A cidadela recusou-se a se render, e logo após essa aparente vitória, uma força esmagadora de turcos apareceu, sob Cerboga, Príncipe de Mosul. Durante vinte e cinco dias, os cruzados estiveram novamente à beira da completa destruição entre Cerboga e a guarnição da fortaleza.

{* emir: título de nobreza equivalente a príncipe.}

Quandos os corações de todos começaram a desistir, e uma indiferença generalizada à vida prevaleceu, um astuto monge de nome Bartolomeu apresentou-se à porta da câmara do conselho, e declarou que tinha-lhe sido reveleado do céu em um sonho que sob o grande altar da igreja de São Pedro seria encontrada a lança que perfurou o Salvador na cruz. O chão foi aberto, mas após cavarem uma profundidade de vinte pés eles não encontraram o objeto. À noite, com os pés descalços e em vestes de penitência, o próprio Bartolomeu desceu no poço; e logo encontrou a ponta de uma lança. O anel de aço foi ouvido, era a arma sagrada. Ao primeiro relance da lança sagrada os desanimados cruzados passaram do desespero ao entusiasmo. Um salmo marcial foi cantado pelos padres e monges: "Que Deus se levante, e que seus inimigos sejam espalhados". Os portões de Antioquia foram escancarados, e então os guerreiros fanáticos precipitaram-se, com a lança sagrada sendo carregada pelo capelão do legado. O ataque foi irresistível; os sarracenos fugiram diante do ataque inesperado, deixando para trás uma imensa quantidade de espólios. Boemundo foi proclamado Príncipe da Antioquia, sob a condição de que ele deveria acompanhá-los até Jerusalém.

sábado, 4 de novembro de 2017

Papa Urbano e as Cruzadas

Em março de 1095, um concílio foi convocado para se reunir com Urbano em Placentia, a fim de realizar uma consulta sobre a guerra santa e outros assuntos importantes. Duzentos bispos, quatro mil clérigos e trinta mil leigos compareceram; e, como não havia edifício grande o suficiente para conter a vasta multidão, as sessões maiores foram realizadas em um campo próximo à cidade. Além do projeto da guerra santa, o papa abraçou a favorável oportunidade de confirmar as leis e afirmar os princípios de Gregório. E ali em Placentia a sanção final foi dada às duas características mais fortes nas doutrinas e na disciplina da igreja romana -- a saber, a transubstanciação e o celibato do clero.*

{* Waddington, vol. 2, p. 102.}

Em novembro do mesmo ano, outro concílio foi convocado para se reunir com o papa em Clermont, na Auvérnia. As citações a esse concílio eram urgentes, e o clero foi encarregado de excitar os leigos na causa da cruzada. Uma vasta assembleia de arcebispos, bispos, abades, etc. foi reunida, as cidades e vilas vizinhas se encheram de estranhos, enquanto muitos foram obrigados a alojar-se em barracas. A sessão durou dez dias. Foram tratados os cânones usuais referentes à condenação da simonia, etc. Urbano se aventurou a avançar um passo além de Gregório, ao proibir não apenas a prática da investidura laica, como também proibindo que qualquer eclesiástico devesse jurar fidelidade a um senhor secular -- uma proibição que pretendia acabar com qualquer dependência da igreja ao poder secular. Assim vemos o astuto papa aproveitando cada vantagem de sua extrema popularidade, enquanto as mentes de todos estavam absorvidas com o assunto da vez: a santa cruzada. Nenhum momento poderia ser mais favorável para o avanço do grande objeto de ambição papal: a supremacia reconhecida sobre a Cristandade latina; ou a elevação do próprio Urbano sobre o papa rival Clemente*, assim como sobre os soberanos seculares que o apoiavam.

{* N. do T.: também conhecido como antipapa Clemente III.}

Na sexta sessão a cruzada foi proposta. Urbano subiu em um alto púlpito no mercado e dirigiu-se às multidões reunidas. Sua discurso foi longo e excitante. Ele falou sobre as glórias antigas da Palestina, onde cada pedaço de chão tinha sido santificado pela presença do Salvador, pela Sua Virgem Mãe, e por outros santos. Ele se alongou sobre a presente condição do território sagrado -- possuído por um povo ímpio, os filhos da serva egípcia; sobre as indignidades, os atentados, a tirania  que infligiram aos cristãos redimidos pelo sangue de Cristo. Ele também não se esqueceu de falar das progressivas invasões dos turcos sobre a cristandade. "Lancemos fora a escrava e seu filho", clamou ele, "Que todos os fiéis armem-se. Ide adiante, e Deus estará convosco. Redimi vossos pecados -- vossa rapinagem, vossos incêndios, vossos derramamentos de sangue -- pela obediência. Que as famosas nações dos francos demonstrem seu valor em uma causa onde a morte é a certeza da bem-aventurança. Considerai uma alegria morrer por Cristo onde Cristo morreu por vós. Não pensai nos parentes ou no lar; vós deveis a Deus um amor maior, pois para um cristão qualquer lugar é exílio, qualquer lugar lhes é lar e país". O egoísta papa não deixou de apelar para uma paixão sequer. Mas seu verdadeiro desígnio e grande objetivo era dispor de barões rebeldes e monarcas obstinados, envolvendo-os em uma distante e ruinosa expedição, e, na ausência deles, reunir em suas próprias mãos todas as linhas desse grande movimento e consolidar os elevados esquemas de seu predecessor e mestre, Hildebrando.

Concluindo, o papa blasfemo ofereceu absolvição para todos os pecadores -- os pecadores de assassinato, adultério, assalto, incêndio criminoso -- e isso sem penitência a todos que tomassem as armas nessa causa sagrada. Ele prometeu vida eterna a todos os que sofressem a gloriosa calamidade da morte na Terra Santa, ou até mesmo em seu caminho até lá. Os cruzados passariam imediatamente para o paraíso. A grande batalha entre a Cruz e a Crescente* seria decidida para sempre no solo da Terra Santa. Em relação a ele próprio, como ele mesmo disse, ele devia permanecer em casa; o cuidado da igreja o detinha. Se as circunstâncias permitissem, ele seguiria, porém, como Moisés, enquanto eles estivessem matando os amalequitas, ele estaria perpetuamente engajado em fervente e prevalecente oração pelo sucesso deles.**

{* N. do T.: a [lua] crescente símbolo do islamismo }

{** Robertson, vol. 2, p. 630; Milman, vol. 3, p. 233; Waddington, vol. 2, p. 77.}

O discurso do papa foi interrompido por uma entusiástica exclamação de toda a assembleia: "Deus o quer! -- Deus o quer!", palavras que mais tarde se tornariam o grito de guerra dos cruzados, e toda a assembleia declarou-se o exército de Deus. O contagioso frenesi se espalhou com uma rapidez inconcebível. "Nunca, talvez", disse alguém, "um único discurso de um homem operou resultados tão extraordinários e duradouros como o de Urbano II no Concílio de Clermont". "Foi a primeira explosão de fanatismo", disse outro, "que sacudiu toda o tecido da sociedade, desde as extremidades do Ocidente até o coração da Ásia, por mais de dois séculos".

Tendo assim declarado de forma tão clara e concisa quanto possível as causas ostensivas das Cruzadas, ou melhor, os motivos do papado, precisamos apenas falar mais um pouco sobre algumas datas e sobre mais alguns detalhes de cada expedição.

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