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segunda-feira, 12 de outubro de 2020

As Constituições de Arundel

Encorajado pelo semblante real, o clero redigiu as conhecidas Constituições de Arundel, que proibiam a leitura da Bíblia e dos livros de Wycliffe, afirmando que o caráter do papa não era meramente "de um homem puro, mas do verdadeiro Deus, aqui na Terra." A perseguição então se enraivecia na Inglaterra; uma prisão no palácio arquiepiscopal de Lambeth, que recebeu o nome de torre dos lolardos, estava lotada com os seguidores de Wycliffe. Mas havia também um prisioneiro nos recintos reais, assim como na torre dos lolardos. A morte, a mensageira do juízo divino para os não perdoados, havia chegado. No ano de 1413, Henrique IV morreu. “Como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo”. Essas duas nuvens negras e pesadas -- morte e juízo -- estavam então prontas para explodir em toda a sua fúria na alma desprotegida do monarca perseguidor. Seus últimos anos foram obscurecidos por uma doença repulsiva -- erupções em seu rosto. Mas oh! qual deve ser o seu futuro! Escurecido não apenas por uma doença temporal, que a misericórdia divina restringe dentro de certos limites, mas com a vingança total da desgraça eterna; e escureceu e se aprofundou ainda mais pelas sombras assustadoras das pilhas em chamas em Smithfield. Ó morte, ó julgamento, ó eternidade, grande, terrível e certa! Como é, por que é, que o homem, em cuja própria natureza esta verdade solene está profundamente plantada, seja tão esquecido e indiferente?

Uma coisa é certa com respeito ao juízo e retribuição futuros, que, mesmo onde tais doutrinas não sejam expressamente negadas, elas não ocupam o púlpito e a imprensa da mesma forma com que ocupam o Novo Testamento. Há uma aversão muito geral a pressionar, à maneira simples das escrituras, esses assuntos tão terríveis. Ainda assim, não se pode negar que os discursos de nosso bendito Senhor -- cuja missão era o amor, a mais terna compaixão, a mais rica graça -- estão repletos das mais solenes declarações sobre o julgamento futuro. Alguns podem dizer que o medo do castigo é um motivo comparativamente baixo: pode ser que seja, mas quantos há que têm almas imortais, e cuja inteligência é tal que não são elevados acima de tais motivos! Deus é mais sábio do que o homem, e assim encontramos, juntamente às mais completas revelações do amor divino e às mais livres proclamações de salvação, também as mais solenes advertências. Ouça um que diz: "Beijai o Filho, para que se não ire, e pereçais no caminho, quando em breve se acender a sua ira; bem-aventurados todos aqueles que nele confiam" (Salmos 2:12; Mateus 11:20-30).

Retornemos agora à nossa história.

A testemunha da execução de John Badby estava agora no trono sob o título de Henrique V. Mas é de se temer que os triunfos da graça divina naquele simples artesão não tenham causado impressão salutar em sua mente. Poucos príncipes tiveram pior caráter antes de chegar ao trono, e esperava-se que, por não ter religião, não fosse escravo da hierarquia. Mas com isso os lolardos ficaram novamente amargamente desapontados. Quando se tornou rei, ele se tornou religioso de acordo com as ideias da época; e resolveu sinalizar sua ortodoxia suprimindo a heresia. Thomas Netter, um carmelita, um dos mais ferrenhos oponentes do wycliffismo, era seu confessor. Sob sua influência, as leis contra os hereges foram então rigorosamente executadas.

domingo, 20 de setembro de 2020

A Humilhação do Pontífice

Ardendo de raiva, Bonifácio repetiu e redobrou suas ameaças. Mas Filipe decide então seguir um caminho mais curto para encerrar a disputa. Ele despachou um oficial de confiança, Nogaret, com Sciarra Colonna, um membro de uma nobre casa italiana que Bonifácio havia arruinado e desolado, e que era, é claro, inimigo jurado do papa. Estes, juntamente com outros aventureiros e trezentos cavaleiros armados, tinham ordens estritas para prender o papa onde quer que fosse encontrado e trazê-lo como prisioneiro para Paris. O perplexo velho, então com 86 anos de idade, retirou-se para seu palácio em Anagni, sua terra natal, para compor outro touro, no qual ele afirmava, "que como vigário de Cristo, ele tinha o poder de governar reis com um cetro de ferro, e para despedaçá-los como um vaso de oleiro." Mas sua suposição blasfema de onipotência logo se transformou em um espetáculo de fraqueza humana e morte.

Um grito foi ouvido; o papa e os cardeais, que estavam todos reunidos ao seu redor, ficaram assustados com a declaração de guerra e o terrível grito: "Morte ao papa Bonifácio! Viva o rei da França!" Os soldados imediatamente dominaram palácio pontifício. Quase todos os cardeais, e até mesmo os assistentes pessoais do papa, fugiram. Ele foi deixado sozinho, mas não perdeu o domínio próprio. Assim como o inglês Thomas Becket, ele esperou o golpe final com coragem e resolução. Ele apressadamente jogou o manto de São Pedro sobre os ombros, colocou a coroa de Constantino na cabeça, agarrou as chaves com uma das mãos e a cruz com a outra, e sentou-se no trono papal. Sua idade, intrepidez e majestade religiosa espantaram os conspiradores. Quando Nogaret e Colonna viram a forma venerável e a compostura digna de seu inimigo, eles se abstiveram de seu propósito sanguinário e se satisfizeram com insultos vulgares contra o desgraçado velho pontífice. As injustiças infligidas às famílias e amigos desses oficiais pelo cruel papa extinguiram todo sentimento em relação a ele, exceto vingança. Mas, pela providência de Deus, foram impedidos de derramar o sangue de um velho indefeso aos oitenta e seis anos.

Enquanto os líderes estavam com isso ocupados, o corpo dos conspiradores se dispersou pelos recintos esplêndidos do palácio em busca de saque. "Os palácios do papa", diz Milman, "e de seu sobrinho foram saqueados, e tão vasta era a riqueza que as receitas anuais de todos os reis do mundo não teriam sido iguais aos tesouros encontrados e levados pelos soldados mercenários de Sciarra. Sua câmara particular foi saqueada; nada foi deixado, exceto paredes nuas. "

Por fim, o povo de Anagni foi levado à rebeldia. Eles agrediram os soldados por quem foram intimidados. Mas, como agora estavam de posse dos despojos do palácio e o papa estava preso, eles não estavam dispostos a se retirar. O papa foi posto novamente em liberdade; enfurecido pela desgraça de seu cativeiro, ele correu para Roma ardendo de vingança. Mas a violência de sua paixão subjugou sua razão; ele recusou ajuda; ele chorou por vingança; mas ele agora estava impotente como os demais homens. Ele removeu todos os seus assistentes, trancou-se em uma sala para que ninguém pudesse vê-lo morrer -- mas morreu; e morreu sozinho; e estará diante do tribunal de Deus sozinho; e tem que responder sozinho pelas ações feitas no corpo, e sob uma responsabilidade inteiramente sua. Não podemos cruzar essa linha, mas qual será a porção eterna daquele de quem a história imparcial diz: "De todos os pontífices romanos, Bonifácio deixou o nome mais sombrio por sua astúcia, arrogância, ambição, e até mesmo pela avareza e crueldade."*

 {* Ver Dean Milman, vol. 5, pág. 143; Dean Waddington, vol. 2, pág. 319; Greenwood, vol. 6, pág. 277.}

sábado, 18 de julho de 2020

O Auto da Fé

A morte cruel pela qual a Inquisição encerrava a carreira de suas vítimas foi denominada na Espanha e em Portugal como AUTO DA FÉ, ou "Ato de Fé", sendo considerada uma cerimônia religiosa de solenidade peculiar; e para investir o ato com maior santidade, o ato cruel era sempre realizado no dia do Senhor. As vítimas inocentes dessa barbárie papal eram levadas em procissão ao local da execução. Eles eram vestidos da maneira mais pitoresca. Nas capas e túnicas de alguns eram pintadas as chamas do inferno, com dragões e demônios os abanando para mantê-los vivos para os hereges; e os jesuítas trovejavam em seus ouvidos que os fogos por meio dos quais morreriam não eram nada comparados aos fogos do inferno que eles teriam que suportar para sempre. Se algum corajoso coração tentasse dizer uma palavra para o Senhor, ou em defesa da verdade pela qual estava prestes a sofrer, sua boca era imediatamente amordaçada. Os condenados eram então acorrentados. Qualquer pessoa que confessasse ser um verdadeiro católico e desejasse morrer na fé católica tinha o privilégio de ser estrangulado antes de ser queimado; mas aqueles que se recusavam a reivindicar tal privilégio eram queimados vivos e reduzidos a cinzas.

Uma quantidade de mato, às vezes verde, e pedaços de madeira eram colocados ao redor das estacas e incendiados. Seus sofrimentos eram indescritíveis. Às vezes, as extremidades mais baixas do corpo eram realmente assadas antes que as chamas chegassem às partes vitais. E esse espetáculo terrível era contemplado por multidões de pessoas de ambos os sexos e de todas as idades, com festejos de alegria, tal era a imoralidade na qual caíam as pessoas por causa do romanismo/catolicismo. Por mais de quatro séculos, o Auto da Fé foi um feriado nacional na Espanha, quando seus reis e rainhas, príncipes e princesas testemunhavam na pompa da realeza.

De acordo com os cálculos de Llorente, compilados a partir dos registros da Inquisição, parece que entre 1481 e 1808 esse tribunal condenou, somente na Espanha, mais de trezentos e quarenta mil pessoas. E, se a esse número fossem somados todos os que sofreram em outros países que então estavam sob o domínio da Espanha, qual seria o número total? Torquemada, ao ser nomeado inquisidor-geral de Aragão em 1483, queimou vivos, para sinalizar sua promoção ao Santo Ofício, nada menos que dois mil dos prisioneiros da Inquisição. Soberanos, príncipes, damas da realeza, magistrados eruditos, prelados e ministros de Estado foram ousadamente e sem medo acusados ​​e julgados pelo Santo Ofício. Mas o Senhor conhece todos eles -- conhece os que sofrem, conhece os perseguidores, sabe como recompensar um e como julgar o outro. Os atos sombrios dessas masmorras secretas, o triste lamento dos sofredores desamparados, as zombarias cruéis dos ​​dominicanos sem escrúpulos, deverão ser todos revelados diante daquele trono de justiça inflexível e de esmagadora pureza. O papa e seu colégio de cardeais, o abade e sua fraternidade de monges, o inquisidor-geral e seus carcereiros, torturadores e carrascos, todos deverão aparecer diante do "grande trono branco" -- o trono de juízo de Cristo. Ali deixamos esses homens perversos, agradecidos por não termos de julgá-los e perfeitamente satisfeitos com as decisões do Senhor. Não fará o Juiz de toda a terra o que é certo?

Aquele que repreendeu Seus discípulos por alimentar o pensamento de incendiar os samaritanos os julgará por Seu próprio padrão. Ele então deixou registrado o que deveria ter sido um guia para o Seu povo em todas as épocas. Ele repreendeu os discípulos e disse: "Vós não sabeis de que espírito sois. Porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las" (Lucas 9:55-56).

Pode ser necessário apenas afirmar aqui que não consideramos que todos os que sofreram pela Inquisição eram mártires, ou mesmo cristãos. Os crimes de que os inquisidores tomavam conhecimento eram heresias em todas as suas diferentes formas, tais como o judaísmo, o islamismo, a feitiçaria, a poligamia e a apostasia, e não temos o privilégio de conhecer o testemunho final desses sofredores. Era algo bem diferente dos mártires sob os imperadores pagãos. Ao mesmo tempo, é impossível não ser fortemente movido pelo horror e pela compaixão ao lermos as histórias desse período sombrio e diabólico.

O leitor tem agora diante de si o começo e o caráter geral da Inquisição; veremos casos individuais de sua crueldade no decorrer do relato histórico que temos diante de nós. A seguir, para tomarmos nota, ainda que brevemente, trataremos das novas ordens de monges que surgiram da mesma memorável guerra albigense.

domingo, 10 de novembro de 2019

A Ira de Inocêncio

Dentre as testemunhas da assinatura da Magna Carta estava Pandolfo, o legado arrogante do papa. Ele viu aquilo como um golpe mortal contra o poder papal na Inglaterra. Inocêncio logo ficou informado da surpreendente notícia. Sua infalibilidade estremeceu com alarme; se enfureceu e jurou, como era de seu costume; franziu a testa, como diz o historiador, e irrompeu em palavras de perplexidade. "O que! Esses barões da Inglaterra presumem destronar o rei que tomou a cruz e  que colocou-se sob a proteção da Sé apostólica? Como podem eles transferir a outros aquilo que é patrimônio da Igreja de Roma? Por São Pedro, não podemos deixar tal crime impune." A grande carta foi declarada pelo papa nula e sem efeito, o rei foi proibido, sob pena de excomunhão, de respeitar o juramento que tinha feito ou as liberdades que tinha confirmado. Mas as censuras espirituais e os editos anulatórios foram recebidos pelos barões com total desconsideração.

A guerra eclodiu; e para a desgraça ainda mais profunda de João, que não tinha exército próprio, ele trouxe do continente bandos de aventureiros e piratas, prometendo-lhes as propriedades dos barões ingleses como recompensas pela bravura. À frente dessas tropas mercenárias, com o auxílio de dois bispos sedentos por guerra, Worcester e Norwich, ele atravessou o país inteiro, desde o canal até o rio Forth. Ele soltou suas hordas ferozes como bestas selvagens em seu reino infeliz. Os barões não tinham feito qualquer preparo para a guerra, e nem suspeitavam da introdução de um exército estrangeiro. Aqui, novamente, vemos as profundezas de Satanás; ele está sempre pronto a dar a outro o poder que ele tiver sobre as nações, desde que aquele a quem ele o dá se submeta inteiramente a sua vontade. "Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares" (Mateus 4:8,9). Foi exatamente o mesmo que ele fez a João, seja tornando-se vassalo do papa, de Maomé ou de Satanás. Por um  curto período de tempo ele foi um mestre imbatível no campo de batalha. Toda a terra foi devastada com fogo e espada. Pilhagem, assassinato e tortura se enfureciam descontroladamente. Nada era tido por sagrado, nada era seguro. Nobres e pedintes fugiam com suas esposas e famílias quando era possível. Os assassinos manchados de sangue do rei e do papa passaram por todo o país com a espada em uma mão e a tocha na outra, enquanto um clamor subia ao céu: "Oh, infeliz Inglaterra! Oh, infeliz país! Que Deus tenha misericórdia de nós, e que Seus juízos caiam sobre o rei e o papa."

O juízo não demorou muito. Nem o céu nem a terra podiam mais tolerar suas crueldades e tiranias. O papa morreu em 16 de julho de 1216, aos 55 anos de idade; apenas um ano, um mês e um dia após a assinatura da Magna Carta. João viveu apenas alguns meses a mais que o papa. Morreu em 12 de outubro de 1216, aos 49 anos de idade, e no décimo sétimo ano de seu reinado. Supõe-se que tenha morrido com o pavor acompanhado pela embriaguez. Enquanto retornava de uma de suas cenas de matança, os vagões reais estavam cruzando as areias de Wash, desde Norfolk até Lincolnshire, quando a maré subiu repentinamente e todos se afundaram no abismo. O acidente encheu o rei de terror; ele sentiu que a terra estava à beira de se abrir e engoli-lo vivo. Ele bebeu copiosas doses de cidra, as quais, juntamente com o medo e o remorso, encerraram os dias do tirano mais cruel e desprezível que já se sentou no trono da Inglaterra. Os nomes dos demais reis cujos vícios são tenebrosos o suficiente para provocar execrações da posteridade são muitas vezes cercados por uma auréola de talento, seja no senado ou no campo de batalha, de modo a mitigar a severidade da sentença. Mas o rei João morre: seu caráter permanece diante de nós de forma não redimida por uma virtude solitária.*

{*Enciclopedia Britânica, vol. 8, p. 721; D'Aubigné, vol. 5, p. 98; Eighteen Christian Centuries, de James White, p. 290.}

domingo, 29 de julho de 2018

O Purgatório

Conta-se que Agostinho, bispo de Hipona, foi o primeiro a sugerir a doutrina de um estado intermediário, mas suas opiniões são vagas e incertas. A ideia não foi formalmente recebida como um dogma da igreja de Roma até a época de Gregório, o Grande, no ano de 600. Ele tem a reputação de ter sido o descobridor do fogo do purgatório. Ao discutir a questão sobre o estado da alma após a morte, ele distintamente afirmou: "Devemos crer que, para algumas transgressões leves, existe um fogo purgatório antes do dia do juízo". Mas, como o crescimento dessa doutrina por centenas de anos é extremamente difícil de traçar, nos referiremos de uma vez ao Concílio de Trento, a grande e indiscutível autoridade sobre o assunto.

"Existe um purgatório", diz o concílio, "e as almas ali detidas são auxiliadas pelos sufrágios dos fiéis, mas especialmente pelo sacrifício aceitável da Missa. Este santo concílio ordena a todos os bispos que se esforcem diligentemente para que a sã doutrina no que diz respeito ao purgatório, entregue a nós pelos veneráveis pais e concílios sagrados, seja crida, mantida, ensinada, e pregada em todo o lugar pelos fiéis a Cristo... No fogo do purgatório, as almas dos homens justos são purificadas por uma punição temporária, para que sejam admitidos a sua morada eterna, na qual não entra nada que contamina... O sacrifício da Missa é oferecido por aqueles que estão mortos em Criso, mas não inteiramente expurgados."*

{* Council of Trent, de Paul, p. 750. Veja também, para detalhes, End of Controversy, de Milner, Carta 43.}

Os escritores católicos romanos tentam suportar esse terrível dogma a partir de várias passagens das Escrituras, mas principalmente dos apócrifos e da tradição. Com os dois últimos nada temos a tratar. Qualquer coisa que agrade aos homens pode ser provado com base em tais fontes incertas; mas nada pode ser mais ousado, e ao mesmo tempo mais fútil, do que a má aplicação das Escrituras sobre esse assunto. Veja dois textos que eles utilizam: 1. "Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil" (Mateus 5:26). Aqui, os católicos são inconsistentes com eles mesmos, pois se os pecados veniais* são perdoados no purgatório, a passagem fala do último centavo sendo pago. Certamente não podemos falar de um dívida sendo perdoada e, ao mesmo tempo, tendo que ser paga pelo indivíduo até o último centavo**. 2. "Vivificado pelo Espírito, no qual [claramente, 'em cujo Espírito'] também foi, e pregou aos espíritos em prisão" (1 Pedro 3:18,19). Esta passagem não pode fazer referência à suposta prisão do purgatório, pois de acordo com a própria doutrina católica, aqueles que são culpados de pecado mortal não vão para lá, o que é estranhamente inconsistente, visto que os antediluvianos (que são os espíritos em prisão mencionados; ver versículo 20) eram "incrédulos", culpados do pecado mortal. E, como vimos nos extratos citados anteriormente, o purgatório seria apenas para "aqueles que estão mortos em Cristo, mas não inteiramente expurgados". A passagem também ensina que Cristo não pregou em pessoa. Ele pregou pelo Espírito por meio de Noé aos antediluvianos que estão agora em prisão. Os alegados textos estão tão pouco em favor do purgatório, que católicos romanos mais pensativos se esforçam em suportar o dogma apenas pela autoridade da igreja.

{* N. do T.: Pecado venial, de acordo com o catolicismo romano, é um pecado menor que não resulta em uma separação completa de Deus e na condenação eterna no inferno (Fonte: Wikipedia). }

{** N. do T.: Além disso, devemos nos lembrar que todos os nossos pecados foram pagos na cruz, o que acaba com qualquer ideia de um salvo ter ainda que pagar por eles. Ver Romanos 8:1, João 5:24, 1 Pedro 2:24, Apocalipse 5:9, Isaías 53:6,11,12, etc.}

Há muita imprecisão nos escritores romanistas, e até mesmo no Concílio de Trento, quanto a onde está o purgatório e o que ele realmente é. A opinião geral parece ser de que ele estaria debaixo da terra e adjacente ao inferno -- que seria um lugar intermediário entre o céu e o inferno, no qual as almas passam através do fogo da purificação antes de entrarem no céu.

Mas como o fogo material pode purificar um espírito, os escritores católicos têm sido cuidadosos em não definir. Aqueles no estado intermediário -- diz o Concílio de Florença de 1439 -- estão em um lugar de tormento, "mas se é fogo, ou tempestade, ou qualquer outra coisa, sobre isso não contendemos". Ainda assim, parece que a voz geral é de que o purgatório é uma prisão, na qual a alma é detida e torturada assim como purificada, e que, não por angústia ou remorso mental, mas por um fogo real, ou pelo que o fogo produz. E ainda assim tão variadas são as opiniões de seus melhores teólogos, que alguns já representaram os tormentos como uma repentina transição do calor extremo ao frio extremo. Mas as especulações vagas de Agostinho, e os aventurosos dogmas de Gregório, foram logo "autenticados" por sonhos e visões. Na idade das trevas, houve muitos viajantes para aquelas regiões subterrâneas, que inspecionaram e relataram os segredos do purgatório. Tomemos um dos relatos como exemplo, o mais suave e menos ofensivo que podemos escolher.

domingo, 3 de setembro de 2017

A Morte de Gregório (1085 d.C.)

Coberto de vergonha e marcado com infâmia eterna, e temendo ouvir as reprovações que seriam lançadas contra ele como o autor das recentes calamidades, ele se retirou da cidade de São Pedro na companhia de seus aliados, enquanto suas ruínas ainda fumegavam e suas ruas se encontravam desoladas, e seus antes numerosos habitantes queimavam, jaziam mortos, ou eram levados ao cativeiro. Fraco e de coração abatido, sem dúvida -- do orgulho terrivelmente mortificado -- ele primeiramente tomou repouso no monastério de Monte Cassino, e então prosseguiu ao forte castelo Salerno, dos normandos. Ele nunca viu Roma novamente.

Um numeroso corpo de eclesiásticos, devotados à promoção das elevadas pretensões do papa degradado, o seguiram até Salerno. Ali ele convocou um sínodo, e como se não estivesse afetado pelos horrores que causou e testemunhou, trovejou novamente anátemas e excomunhões contra Henrique, o antipapa Clemente e todos os seus adeptos. Mas estes foram seus últimos trovões. A morte se aproximava rapidamente. O grande e inflexível defensor da supremacia da ordem sacerdotal deveria morrer como qualquer outro homem. Ele chamou seus companheiros de exílio, fez uma confissão de sua fé -- especialmente no que se referia à eucaristia, tendo sido suspeito de simpatizar com os pontos de vista de Berengário de Tours -- e perdoou e absolveu a todos aqueles que ele tinha anatemizado, com exceção do imperador e do antipapa. Em relação a esses ele ordenou que seus seguidores não fizessem as pazes, a menos que se submetessem completamente à igreja.

Conta-se que uma tempestade assustadora se enfureceu enquanto seus amigos presenciavam a morte do papa. Suas últimas palavras memoráveis foram: "Eu amei a justiça e odiei a iniquidade; portanto morro no exílio". "No exílio, meu senhor?", disse um bispo com o mesmo sentimento, cujo orgulho sacerdotal não foi repreendido por esse espetáculo de mortalidade, "tu não podes morrer no exílio! Vigário de Cristo e de Seus apóstolos, tu recebeste de Deus os pagãos por tua herança, e as partes mais longínquas da terra por tua possessão!" O atrevido sopro de blasfêmia assim fechou, assim como tinha permeado, a vida do grande clérigo. Mas seu espírito estava agora longe da adulação de seus amigos, para ser manifesto perante um outro tribunal. Lá tudo será julgado, não de acordo com os princípios do papado, mas de acordo com a eterna verdade de Deus como foi revelada a nós na Pessoa e na obra do Senhor Jesus Cristo.

"Bem-aventurados todos aqueles que nele confiam" (Salmos 2:12), são palavras da mais doce certeza para o coração; pois o quanto essa palavra "bem-aventurados" (ou "abençoados") significa quando usada pelo Próprio Deus! Mas ai daqueles que vivem e morrem sem Cristo, que um dia terão de dizer: "Passou a sega, findou o verão, e nós não estamos salvos" (Jeremias 8:20). Ah! Quem pode compreender as profundezas da miséria -- a eternidade de sofrimento -- nestas duas palavras: "não salvos!" "não salvos!" Que tremendo texto para um pregador! Que palavra de aviso para um pecador! Que o meu leitor guarde isso no coração, antes de guardar este livro, e possa cuidadosamente contrastar a morte do grande clérigo com a morte do grande apóstolo. "Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda" (2 Timóteo 4:7,8). Até mesmo um falso profeta foi obrigado a dizer: "Que a minha alma morra da morte dos justos, e seja o meu fim como o seu" (Números 23:10).

domingo, 7 de maio de 2017

Os Nórdicos

Se não acreditássemos que esses poderosos inimigos do cristianismo -- os nórdicos, ou piratas das regiões do Norte -- fossem instrumentos nas mãos de Deus para a punição da apóstata igreja de Roma, não estaria em nossos planos apresentá-los. Mas como eles aparecem como nada mais do que o juízo de Deus contra o completo mundanismo de todas as ordens do sacerdócio católico, vamos tomar uma breve nota.

Originalmente, eles vieram das margens do Báltico, na Dinamarca, Noruega e Suécia. Provavelmente eles era uma mistura dos godos, dinamarqueses, noruegos, suecos e frísios. Mas, embora compostos de tantas diferentes tribos, todos concordavam quanto ao mesmo objetivo principal -- saquear e matar. Seus pequenos reis e chefes eram piratas experientes, e os mais ousados que já infestaram os mares ou as margens da Cristandade Ocidental. Eles empurravam seus barcos leves rio acima até onde podiam ir, queimando, matando e saqueando onde quer que chegassem.

"Das margens do Báltico", diz Milman, "das ilhas escandinavas, dos golfos e lagos, suas frotas velejavam para onde a maré ou a tempestade os levassem. Eles pareciam desafiar, em suas embarcações mal formadas, o mais selvagem clima, a fim de poderem desembarcar nas margens mais inacessíveis, a fim de encontrar seu caminho até os riachos mais estreitos e os rios mais rasos. Nada estava seguro, nem mesmo no coração do país, da repentina aparição desses selvagens implacáveis". Eles foram chamados de "os árabes do mar", mas, diferente dos muçulmanos, eles não lutavam uma guerra religiosa. Eles eram pagãos ferozes, e seus deuses, assim como eles próprios, eram guerreiros e piratas. O saque, e não a propagação da fé, era o objetivo deles. O castelo ou o monastério, o senhor nobre, o bispo ou o monge, eram todos iguais aos seus olhos, desde que se pudesse obter um rico montante. As propriedades religiosas, especialmente na França, foram as que mais sofreram. A riqueza e a posição indefesa dos monastérios os tornavam os principais objetivos de ataque.

Um dia de retribuição tinha chegado. A mão de Deus pesava sobre aqueles que chamavam a si mesmos de Seu povo. Sua ira parecia queimar. A igreja tinha agora de pagar caro por sua grandeza e glória mundana. Tinha sido sua ambição por séculos, e Carlos Magno tinha elevado o clero a grande riqueza e honra mundana. Mas, mal eles sentaram em seus palácios e a maré de invasão bárbara começou a assolar o império e a depredar os edifícios religiosos. Quanto mais rica a abadia, mais tentadora a presa, e mais implacável era a espada do bárbaro. Ignorantes das diferentes ordens do clero, eles massacravam indiscriminadamente. Fogo e espada eram as armas que usavam ao longo de suas carreiras. "A França estava coberta de bispos e monges que fugiam de seus claustros arruinados, seus monastérios incendiados, suas igrejas desoladas, levando consigo as preciosas relíquias dos seus santos, e assim aprofundando o pânico universal, e pregando o desespero por onde quer que fossem."

A fim de obter paz com os normandos, que forçaram seu caminho até o rio Sena, e por dois anos sitiaram a cidade de Paris, Carlos, o Simples, da França, cedeu o ducado da Normandia ao líder deles, Rollo, em 905. Assim o pirata do Báltico abraçou a religião cristã, tornou-se o primeiro Duque da Normandia e um dos doze nobres associados da França. William, conquistador da Inglaterra em 1066, foi o sétimo Duque da Normandia.

A Inglaterra, assim como a França, foi muito assediada e desolada pelos nórdicos. A primeira descida, que foi severamente sentida, aconteceu por volta do ano 830. Desde aquele tempo essas invasões foram incessantes. E ali, assim como na França, encontraram o mais rico saqueio nos monastérios indefesos. Os santuários foram degradados com fogo e espada. Com o tempo, após a vitória conquistada por Alfredo sobre Guthrum em 878, um grande território foi cedido aos dinamarqueses no Leste da Inglaterra, sob a condição de que abraçassem o cristianismo e vivessem sob leis iguais com os habitantes nativos. Mas a paz assim obtida duraria apenas por um tempo.*

{*Robertson, vol. 2, p. 360}

domingo, 8 de janeiro de 2017

Reflexões sobre o Islamismo e o Romanismo

Tendo chegado a nossa história, tanto civil quanto eclesiástica, ao final do século VIII, podemos fazer uma breve pausa e refletir sobre o que vimos, onde estamos, e o que esperar. Temos visto o crescimento da Sé Romana no Ocidente, e como ela alcançou o cume de sua ambição. Vimos também o surgimento do grande poder antagonista no Oriente, inferior apenas na extensão de sua influência religiosa e social ao próprio cristianismo de modo geral. O primeiro se espalhou gradualmente no próprio centro da Cristandade iluminada, e o último surgiu de repente em um obscuro distrito de um deserto selvagem. Mas qual -- pode-se perguntar -- é a lição moral a ser tomada do caráter e dos resultados desses dois grandes poderes? Ambos foram permitidos por Deus e, se julgamos corretamente, foram permitidos por Ele como um juízo divino sobre a Cristandade por sua apostasia, e sobre os pagãos por sua idolatria. Por um lado, o grito de guerra foi erguido contra todos os que recusavam a fé ou o tributo ao credo e aos exércitos dos califas; por outro lado, um grito de guerra mais implacável foi erguido contra quem se recusasse a crer na Virgem e nos santos, suas visões e milagres, suas relíquias e imagens, de acordo com as exigência intolerantes da idólatra Roma. As igrejas orientais tinham se enfraquecido e se perdido desde os dias de Orígenes por uma filosofia platônica, na forma de uma teologia metafísica, o que causou contínuas dissensões. No Ocidente as controvérsias tinham sido grandemente evitadas: o poder era o objetivo ali. Roma tinha aspirado, por séculos, o domínio da Cristandade -- e do mundo. Ambos foram tratados judicialmente por Deus no dilúvio de fogo vindo da Arábia; mas o islamismo permanece como o poderoso flagelo de Deus no Oriente, e o romanismo no Ocidente.

domingo, 9 de outubro de 2016

Reflexões sobre a Condição do Homem e a Graça de Deus

Se o mero raciocínio humano fosse permitido nessa controvérsia, ela seria interminável. Mas se a autoridade da Palavra de Deus é respeitada, ela logo se resolve. Que há algo bom na natureza humana caída, e que o homem, como tal, tem poder para escolher o que é bom e rejeitar o que é mal, são coisas que estão na raiz do pelagianismo em suas numerosas formas. A total ruína do homem é negada, e todas as ideias de graça divina que parecem inconsistentes com o livre arbítrio do homem são excluídas desse sistema. Mas o que diz as Escrituras? Uma única linha da Palavra de Deus satisfaz o homem da fé. E isto deveria ser o único argumento do mestre, do evangelista e do cristão em particular. Devemos sempre tomar o terreno da fé contra todos os adversários.

Em Gênesis 6, Deus expõe Sua opinião sobre a natureza humana caída. "E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente". Deus não podia encontrar nada no homem além do mal, e mal sem cessar. Novamente, no mesmo capítulo, lemos: "E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra". Não alguma carne, observemos, mas toda a carne tinha corrompido seu caminho sobre a terra. Aqui temos o juízo de Deus sobre a natureza corrupta; mas, ao mesmo tempo, Ele revela Sua graça soberana para redimir a condição do homem assim julgado. Deus provê uma arca de salvação, e então anuncia o convite: "Entra tu e toda a tua casa na arca" (Gênesis 7:1). A cruz é o testemunho, e a grande expressão, das grandes verdades figuradas pela arca. Ali temos de um modo, como em nenhum outro lugar, o juízo de Deus sobre a natureza humana com todo o seu mal; e, ao mesmo tempo, a revelação de Seu amor e graça em toda sua plenitude de poder salvífico.*

{* Para detalhes, veja Notas sobre o Livro de Gênesis.}

Mas todas as Escrituras são consistentes com Gênesis 6 e a cruz de Cristo. Tome, por exemplo, Romanos 5 e Efésios 2. No primeiro é dito estarmos "fracos"; mas no último, que estamos "mortos", mortos em delitos e pecados. O apóstolo, mais no início da Epístola aos Romanos, com muito cuidado prova a ruína do homem e a justiça de Deus, e aqui temos Seu amor demonstrado no grande fato da morte de Cristo por nós. "Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios". Mas por que é dito "a seu tempo"? Porque o homem tinha sido plenamente provado ser não apenas "ímpio", mas "fraco" demais para fazer qualquer coisa boa para Deus, ou para se mover um passo sequer em sua direção. Sob a lei, Deus mostrou ao homem o caminho, apontou meios, e deu-lhe uma longa prova; mas o homem não tinha poder algum para sair de sua triste condição de pecador. Quão humilhante, mas quão saudável, é a verdade de Deus! É bom conhecermos nossa condição de perdidos. Quão diferente é isso da falsa teologia e da orgulhosa filosofia dos homens! Mas da parte de Deus, bendito seja Seu nome, o estado do homem (assim demonstrado) foi apenas a oportunidade para a manifestação de Sua graça salvadora; e por isso Jesus morreu. "Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores". Agora o homem deve se deparar, ou com o juízo de Deus em incredulidade, ou com Sua salvação pela fé. Não há algo como estar "encima do muro". A prova mais completa de nossa condição perdida e do amor gracioso de Deus é "que Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores" (Romanos 5:6-10).

Em Efésios 2 não se trata meramente de uma questão de fraqueza moral do homem, mas de sua morte. "E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados". Em Romanos o homem é visto como impotente, ímpio, um pecador, e um inimigo; aqui, como moralmente morto: e este é o pior tipo de morte, pois é a própria fonte da mais ativa impiedade. "Em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência". Que golpe para o orgulhoso poder que o homem pensa ter de escolher entre o bem e o mal! Aqui, ao contrário, ele é visto como estando sob o governo de demônios -- como escravo de Satanás. O homem admite muito mais facilmente ser ímpio do que impotente. Ele se orgulhará de ter sua opinião própria -- de ser independente e muito capaz de julgar e escolher por si próprio nas coisas espirituais.

Um dos dogmas favoritos de Pelágio, se não o fundamento de seu sistema, era que "como o homem tem a capacidade de pecar, assim também ele não apenas tem a capacidade de discernir o que é bom, mas do mesmo modo tem poder para desejá-lo e realizá-lo. E esta é a liberdade do arbítrio, que é tão essencial para o homem que ele não pode perdê-la". Nos referimos a esta falsa noção simplesmente porque ela é muito aceita pela mente natural, e é tão difícil de se livrar dela mesmo após sermos convertidos, sendo sempre um grande obstáculo à obra da graça de Deus na alma. Uma vez que o homem está morto em seus pecados, Deus e Sua própria obra devem ser tudo. É claro que há uma grande variedade entre os homens naturalmente, quando estão "fazendo a vontade da carne e dos pensamentos". Alguns são benevolentes e morais, alguns vivem em grosseira e aberta impiedade, e alguns podem ter um gratificante tipo de coração sensível: mas por que motivo? Para fazer a vontade de Deus? Certamente não! Deus não está em todos os seus pensamentos. Eles são energizados pelo espírito de Satanás, e guiados por ele de acordo com o curso deste mundo. "Nenhum servo pode servir dois senhores; porque, ou há de odiar um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom." (Lucas 16:13)

domingo, 2 de outubro de 2016

Arcádio e Honório (395 d.C.)

Teodósio, o Grande, deixou dois filhos, Arcádio, com idade de dezoito anos, e Honório, que tinha apenas onze. O mais velho ficou com a soberania do Oriente, e o mais novo a do Ocidente. Nada pode ser mais impressionante do que a condição do mundo romano nesse momento, ou mais adequado para despertar nossa compaixão: dois imperadores de tal fraqueza a ponto de serem incapazes de conduzir a administração dos assuntos públicos, e todo o império em um estado de perigo e alarme por causa dos invasores góticos. A mão do Senhor é manifesta aqui. Onde está agora o gênio, a glória e o poder de Roma? Expiraram junto com Teodósio. Em um momento em que o império precisava de prudência, de habilidade marcial e dos talentos de um Constantino, ele foi declaradamente governado por dois príncipes imbecis. Mas seus dias estavam contados na providência de Deus, e deveriam passar muito rápido.

A mais feroz tempestade que já tinha assolado o império estava então pronta a irromper em sua hora de fraqueza. O competente general Flávio Stilicho (ou Stilico), a última esperança de Roma, foi assassinado logo após a morte de Teodósio, e toda a Itália caiu nas mãos dos bárbaros. Os godos tinham se rendido aos exércitos e especialmente à política de Teodósio, mas bastou as notícias de sua morte para que eles se erguessem em revolta e vingança. O famoso Alarico, o astuto e competente líder dos godos, apenas esperou para uma oportunidade favorável para levar adiante um esquema de maior magnitude e ousadia do que qualquer outro que tenha passado na mente de qualquer dos inimigos de Roma desde os tempos de Aníbal. Ele foi, sem dúvida, um ministro dos justos juízos de Deus sobre um povo tão manchado com o sangue de Seus santos, além de terem crucificado o Senhor da glória e matado Seus apóstolos. Deixaremos os detalhes com os historiadores do declínio e queda de Roma: mas podemos dizer brevemente que Alarico era então seguido não apenas pelos godos, mas também pelas tribos de quase todo nome e raça. A fúria do deserto seria então derramada sobre a amante e corrupta do mundo. Ele conduziu suas forças para a Grécia sem oposição; ele devastou sua terra frutífera e saqueou Atenas, Corinto, Argos e Esparta; e aquela que era impiamente chamada de "a cidade eterna" foi sitiada e saqueada. Por seis dias ela foi entregue ao abate sem remorsos e a todo tipo de pilhagem. Assim caiu a culpada e devota cidade pelo juízo de Deus: nenhuma mão se estendeu para ajudá-la: ninguém para lamentar seu destino. Também as províncias mais ricas da Europa, como a Itália, a Gália e a Espanha, foram devastadas pelos sucessores imediatos de Alarico, especialmente Átila, e novos reinos foram instituídos pelos bárbaros. Assim a história do quarto grande império mundial termina por volta do ano 478 d.C., 1229 anos ano após a fundação de Roma.

Teodorico, rei dos ostrogodos, um príncipe de igual excelência nas artes da guerra e no governo, restaurou uma era de paz e prosperidade, varreu todos os vestígios do governo imperial, e fez da Itália um reino.*

{* Enciclopédia Britânica, vol. 19, p. 420. Dezoito Séculos Cristãos, de White, p. 94.}

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A Carta à Igreja de Éfeso (Apocalipse 2:1-7)

O grande objetivo da igreja neste mundo era ser "a coluna e firmeza da verdade" (1 Timóteo 3:15). Ela foi criada para ser a portadora da luz de Deus. Ela é assim simbolizada por um "castiçal de ouro" - um suporte de luz. Ela deveria ser uma testemunha verdadeira do que Deus tinha manifestado em Jesus na terra, e do que Ele é agora quando Cristo está no céu. Aprendemos também, dessa carta, que a igreja, sendo um portador do testemunho neste mundo, é ameaçada de ser deixada de lado, a menos que seu primeiro estado seja mantido. Mas infelizmente ela falha, como sempre faz a criatura! Os anjos, Adão, Israel e a igreja não mantiveram seu primeiro estado. "Tenho, porém, contra ti", disse o Senhor, "que deixaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres." (Apocalipse 2:4,5)

Havia ainda, no entanto, muito do que Ele podia elogiar, e Ele elogia tudo o que pode. Como uma assembleia, eles tinham paciência, eles tinham trabalhado e não se cansaram, eles não podiam suportar os "{homens} maus", ou aqueles que buscavam os lugares mais elevados na igreja. Mesmo assim, Ele sente que estão abandonando Ele mesmo: "deixaste o teu primeiro amor". Ele fala como alguém desapontado. Eles tinham deixado de se deleitarem no Seu amor por eles, e assim o próprio amor deles por Ele declinou. "Primeiro amor" é o feliz fruto de nossa apreciação do amor do Senhor por nós. "O testemunho externo pode continuar", disse alguém, "mas não é isso o que o Senhor mais valoriza, embora o valorize desde que seja simples, genuíno e fiel. Ainda assim, Ele não pode deixar de apreciar, acima de tudo, os corações devotos a Ele, o fruto de Seu próprio amor pessoal, perfeito e de auto-sacrifício. Ele tem uma esposa sobre a terra, a quem Ele deseja ver tendo como único objeto de afeição Ele Próprio, e mantida pura, para Ele, do mundo e de seus caminhos. Deus nos chamou para isso: não apenas para salvação e para um testemunho para Ele mesmo em piedade, por mais verdadeiro e importante que isso seja; mas acima de tudo, Deus nos chamou para Cristo - uma noiva para Seu Filho! Certamente isto deveria ser nosso primeiro e último pensamento, nosso pensamento constante e terno; pois estamos compromissados com Cristo, e Ele provou a plenitude e fidelidade de Seu amor por nós! Mas e o nosso por Ele?"*

{* Sermões em Apocalipse, por W. Kelly}


Era esse o estado das coisas em Éfeso, e na igreja em geral, que pedia a intervenção do Senhor em fiel disciplina. Aquela igreja, tendo sido plantada por Paulo, já tinha caído de seu primeiro estado. O apóstolo disse: "Porque todos buscam o que é seu, e não o que é de Cristo Jesus” (Filipenses 2:21); e “Os que estão na Ásia todos se apartaram de mim” (2 Timóteo 1:15). Esta é a causa da tribulação da qual fala a carta à igreja de Esmirna. Embora o Senhor seja cheio de graça e amor em todos os Seus modos para com Sua caída e falha igreja, ainda assim Ele é justo e deve julgar o mal. Ele não é visto, nessas cartas, como a Cabeça no céu do "um só corpo", nem como o Noivo de Sua igreja; mas Ele é visto em Seu caráter judicial, andando no meio dos castiçais, tendo os atributos de um juiz. Veja o capítulo 1.

O leitor deve observar que há uma certa distância e reserva no estilo de Seu discurso à igreja em Éfeso. Isto está de acordo com o lugar que Ele toma no meio dos castiçais de ouro. Ele escreve ao anjo da igreja, e não "aos santos que estão em Éfeso, e fiéis em Cristo Jesus", como na Epístola de Paulo aos Efésios.

Há muita discussão sobre quem seria o anjo. Ele era uma pessoa, acreditamos, tão identificada moralmente com a assembleia, que a representava e caracterizava. O Senhor se dirige ao anjo, e não imediatamente à igreja. "O anjo", portanto, dá a ideia de representação. Por exemplo, no Antigo Testamento temos o anjo de Jeová (ou anjo do Senhor), o anjo da aliança, e no Novo Testamento temos os anjos das crianças, e em Atos 12 é dito de Pedro: "É o seu anjo".

Vamos agora dar uma olhada na carta à igreja de Esmirna.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A Linhagem Real Herodiana

Não seria fora de propósito ou tedioso para o leitor se observarmos por um momento a linhagem real herodiana. Eles frequentemente aparecem, tanto na vida de nosso Senhor quanto no começo da história da igreja. Os temos associados em nossas mentes, desde cedo, com o massacre das crianças em Belém e Herodes, o rei da Judeia, embora seja de certo modo notável que Josefo, o principal historiador de Herodes, não menciona esse evento. Em geral pensa-se que o assassinato de algumas crianças em uma vila obscura, em comparação com outros atos sanguinários de Herodes, não era muito importante aos olhos de Josefo para ser registrado. Mas não sucedia o mesmo na mente de Deus: tanto o engano quanto a crueldade do traiçoeiro coração do rei estão registrados na narrativa sagrada. O olho de Deus vigiava o "Menino nascido" a Israel - a única fonte de esperança para todas as nações. O cruel desígnio de Herodes foi, assim, derrotado.

Herodes, o Grande, o primeiro rei idumeu de Israel, recebeu o reino do Senado de Roma através da influência de Marco Antônio. Isto ocorreu cerca de trinta e cinco anos antes do nascimento de Cristo (35 a.C.), e cerca de trinta e sete anos antes de sua própria morte. Esses idumeus eram uma ramificação dos antigos edomitas que, enquanto os judeus estavam no cativeiro babilônico, e sua terra desolada, tomaram posse tanto da parte sul da mesma, que fazia parte de toda a herança da tribo de Simeão, quanto de metade da terra que tinha sido a herança da tribo de Judá; e ali eles permaneceram até então. No decorrer do tempo, os idumeus foram conquistados por João Hircano e levados ao judaísmo. Após sua conversão, eles receberam a circuncisão, se submeteram às leis dos judeus, e se incorporaram à nação judaica. Desse modo, se tornaram judeus, embora não fizessem parte da linhagem original de Israel. Isto aconteceu por volta de 129 a.C.  Eles eram audaciosos, espertos e cruéis como príncipes: tinham grande visão política, cortejavam a favor de Roma, e se preocupavam apenas com o estabelecimento de sua própria dinastia. Mas, pela vontade de Deus, com a destruição de Jerusalém, a dinastia idumeia acabou, e até mesmo o próprio nome de Herodes parece ter perecido entre as nações.

Além do massacre das crianças em Belém, que aconteceu pouco antes da morte de Herodes, ele também tinha encharcado suas mãos no sangue de sua própria família, e no sangue de muitas pessoas nobres da linhagem asmoneia. Sua cruel inveja em relação àquela família nunca dormia. Mas um de seus últimos atos foi assinar a sentença de morte de seu próprio filho. No leito de morte - o que evidentemente foi um juízo de Deus, tal como aconteceu com seu neto, Herodes Agripa - ele conseguiu se levantar da cama para dar o mandato de execução de Antípatro e nomear Arquelau como seu sucessor no trono. Feito isso, caiu para trás e expirou.

Dessa forma, infelizmente, os monarcas muitas vezes morriam: distribuindo mortes com uma mão e reinos com a outra. Mas, e depois? Na realidade nua a crua de sua própria condição moral, eles devem comparecer ante o tribunal de Deus. O manto púrpura não mais poderá protegê-los. Uma justiça inflexível rege aquele trono. Julgados de acordo com as obras feitas no corpo, eles devem ser banidos eternamente para além do "abismo" que foi "posto" pelo juízo de Deus (Lucas 16:26). Ali lembrarão, em tormentos, cada momento de sua história passada - dos privilégios que abusaram, das oportunidades que perderam, e de todo mal que fizeram. Que o Senhor possa salvar cada alma que olha para estas páginas do terrível peso destas palavras: "lembrar"; "tormento"; "posto". Elas descrevem e caracterizam o futuro estado das almas impenitentes (Lucas 16).

A seita dos herodianos provavelmente era composta dos partidários de Herodes e tinha caráter principalmente político, tendo, como principal objetivo, a manutenção da independência nacional dos judeus em face do poder e ambição romanos. Eles devem ter pensado em usar Herodes para o cumprimento dessa finalidade. Na história narrada nos evangelhos, eles são lembrados por agir com astúcia para com o bendito Senhor, e em conspirar com os fariseus. (Mateus 22:15,16; Marcos 12:12, 14).

Vamos agora retornar à história de nossos apóstolos.

Em Atos 15, após uma ausência de mais ou menos cinco anos, Pedro aparece novamente. No entanto, durante aquele tempo não sabemos nada sobre sua morada ou trabalho. Ele tem um papel ativo na assembleia em Jerusalém, e parece ter mantido seu antigo lugar entre os apóstolos e anciãos.

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